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  • Foto do escritorAndrea Nero

A vida é cena sem ensaio

Atualizado: 29 de jun. de 2023



Essa semana recebi de uma super amiga, por WhatsApp, uma poesia com a frase "Um poema pra tu dá Wislawa!"


Ela sabe que amo poesia, que estudei poesia escrita por mulheres durante a pandemia em um grupo só com mulheres e que escrevo poesias vez ou outra. Não me atentei ao nome de quem era a autora e sai devorando o poema.


A cada frase eu diminuía um pouco o ritmo. Quando cheguei na frase "Meus instintos são amadorismo" eu precisei parar e respirar fundo enquanto percebia as lágrimas começando a cair.


Segui lendo, mas em um ritmo completamente diferente, quase que com medo do que viria a seguir, tateando cada palavra. O poema não dá trégua, mas sigo até "Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes...", não aguentei, desaguei!


Enxuguei as lágrimas e entendi naquele momento que o poema tinha sido escrito por alguém que me observava enquanto decifrava minha alma e percebi, mais do que eu mesma, meu desconforto com o momento da vida. Ela sabia exatamente como eu me sentia. Só que eu, embora soubesse do meu desconforto, não tinha ideia de como explicar ou colocar em palavras meus sentimentos. Afinal quem era ela? Corri na internet pra decifrar Wislawa.


E encontrei a autora que tanto amo e estudei na pandemia, Szymborska, prêmio nobel da literatura de 1996. Wislawa Szymborska, obrigada por este seu poema que eu não conhecia. Você é phoda!!!


Obrigada minha querida amiga Ana Johann ❤️, por me apresentar o poema que decifra e nomeia minha incomodação.


Que tal ler e me contar o que sentiu quando leu o poema "A vida na hora"


A vida na hora


A vida na hora.

Cena sem ensaio.

Corpo sem medida.

Cabeça sem reflexão.


Não sei o papel que desempenho.

Só sei que é meu, impermutável.


De que trata a peça

devo adivinhar já em cena.


Despreparada para a honra de viver,

mal posso manter o ritmo que a peça impõe.

Improviso embora merepugne a improvisação.

Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.

Meu jeito de ser cheira a província.

Meus instintos são amadorismo.

O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.

As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.


Não dá para retirar as palavras e os reflexos,

inacabada a contagem das estrelas,

o caráter como o casaco às pressas abotoado

eis os efeitos deploráveis desta urgência.


Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes

ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!

Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não

conheço.

Isso é justo — pergunto

(com a voz rouca

porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).


É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida

feita em acomodações provisórias. Não.

De pé em meio à cena vejo como é sólida.

Me impressiona a precisão de cada acessório.

O palco giratório já opera há muito tempo.

Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.

Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.


E o que quer que eu faça,

vai se transformar para sempre naquilo que fiz.

De: Wilawa Szymborska @wislawa_szymborka


Namastê!


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